vês
os feixes de luz a ziguezaguear
na plácida água que cai em toadas
sobre os telhados dos casebres sós
a humanidade perdida segue-te nas sombras
por entre as ervas altas que crescem nos corpos espectrais
cerras os olhos
e imaginas a Terra marmórea
mulher de feixes e circuitos e voragens e cicios
de pés de aço e mãos que são como armas
de olhos sem pupila nem humor vítreo
vermelhos e ocos
sem boca nem esófago
plasmando em catadupas memórias alheias
guerra, amor, raiva, tristeza, alegria
viagens no tempo supersónicas, maquinais, mudas,
expectantes do delírio do eterno vácuo
a noite cintilante de supernovas e anãs
explosões cósmicas acutilantes
botas de couro e estilhaços de vidro
fogo posto e ódio em labaredas vagueando
no espaço
plúmbeo e estéril das câmaras ardentes
auscultas por entre as nuvens de cinza e pó radioativo
a revelação
com o sangue borbulhando na garganta
uma pitonisa
repete no silêncio da sua caverna sideral
antes do grande mártir
antes do fosso do mar vermelho
antes das cheias e vulcões cuspindo lava
antes das pragas de insetos e dos homens-escravos
tudo isto aconteceu antes
e acontecerá de novo